O QUE VEMOS E QUE NOS VÊ OU O DUPLO É UM BURACO
Todo o olho traz consigo o seu invólucro
Didi-Huberman
Na obra O que nós vemos, o que nos olha, a experiência entre sujeito e objeto desencadeia imagens que passam a integrar o próprio objeto, disseminando-se de modo descontínuo na amálgama de discursos que constituem a história desse objeto.
No conjunto de filmes apresentados nesta sessão, percebemos diferentes modos de experiências-cinema que criam descontinuidades no fluxo errático das imagens em movimento. Intuímos, mais do que afirmamos, que nesta escolha por exibi-los juntos possam ser dadas a ver as possíveis ligações entre os diferentes olhares e os sujeitos em devir imagens.
Estas relações associativas entre os diferentes trabalhos que apresentamos aqui, são vistas por nós como um sintoma, um fluxo descontínuo que pororoca em modos distintos de representar o visível e o sensível. Os ritmos e fluxos ora são o do corpo amalgamado ao movimento da câmera, ora de uma espacialidade que busca na abstração um oceano celeste de imagens onda, ou ainda na lupa feroz do foco de um farol que ao dar a ver, cega ou, até mesmo na imagem que performa a corporeidade como instrumento de experienciar o mundo. Modos de percepção e criação fílmica inquietos e desejantes e até mesmo traumáticos que expressam a falta, o resto, mas também os modos distintos de percepção escultóricos, prismáticos, afetuosos e porosos.
Quer seja na relação entre as palavras e as coisas, quer seja nas formas de captação de temporalidades e espaços em movimentos de câmera e jogos de aproximação e distanciamento do objeto, que jamais o configuram, o que resta é sempre a falta. A imagem como duplo do gesto de filmar é um buraco em que a queda jamais deixa de ser este movimento infinito e sem fundo.
Duo Strangloscope
Trágame nube (el cuerpo establece el ritmo) - Esperanza Collado (Espanha, 12'41")
Filmado com Bruno Delgado Ramo e Paula Guerrero, 'Traga-me, nuvem (o corpo estabelece o ritmo)' gira em torno de algumas das preocupações mais persistentes sobre a percepção cinematográfica que o cineasta experimental espanhol José Val del Omar (1904-1982) expressou em seus escritos e obras. Consiste em dois filmes gêmeos com uma estrutura exata e complementar dividida em três partes que exploram um 'outro cinema' que ocorre nos intervalos entre os quadros. A primeira seção do filme é uma brincadeira filmada no palácio de Alhambra em Granada, um local emblemático carregado de significado na obra de Val del Omar e em outros marcos experimentais, como "Arabesque for Kenneth Anger" de Marie Menken em 1961. A segunda parte central é dedicada a uma seleção de documentos originais de Val del Omar mantidos na biblioteca do MNCARS em Madrid, compostos principalmente por notas, desenhos de projetos, esboços, cartas, material escrito para palestras e recortes de imprensa. Essa parte é uma tentativa de adentrar nos escritos do autor e ativá-los de maneira lúdica e plástica. A terceira seção é uma intervenção coreografada dentro e ao redor do aparato cinematográfico, onde a sintaxe do cinema se torna escultura e performance. O título 'Trágame, nube' é retirado de um roteiro escrito por Val del Omar no início dos anos quarenta para um documentário sobre planadores e suas escolas na Espanha. Também faz referência aos recortes de imprensa encontrados inesperadamente ao explorar seus documentos, tornando-se a base de uma série de colagens que complementam e expandem os filmes.
Oceano Análogo - Luis Macias (Espanha, 9'30")
O oceano é a única travessia para chegar ao Monte Análogo. Através de cada onda, que se desfaz em cada uma das cores primárias, abre-se uma passagem para uma nova percepção... Aquela de um oceano tão profundo, escuro e difícil de acessar quanto a escalada à montanha mais alta. Para o topo onde o sexto sol pode ser percebido." Primeira peça da série de curtas-metragens para o projeto Sexto Sol.
Inspirado pelo mito pré-hispânico do Sexto Sol.
Este capítulo é inspirado no livro de René Daumal "Monte Análogo".
Like a Lighthouse - Richard Tuohy (Austrália, 12’)
Um raio de luz cegante. O som penetrante dos navios. Tudo - a terra, as plantas, o céu - clama por atenção. Percepções nos assaltam com suas demandas para serem notadas.
Jesa - Jonathan Lee (EUA, 7’49”)
Feito após o falecimento do avô do cineasta, "Jesa" é um filme que lida com temas de trauma intergeracional e seus efeitos herdados na intimidade e na família, reconstruindo rituais funerários tradicionais coreanos. Explorando os efeitos da colonização e da memória pós-guerra na escala íntima da família, "Jesa" utiliza canções, histórias e recordações do passado para lidar com a pergunta: como podemos coexistir após o trauma?
When I close my eyes I see everything - Alexandre Alagôa ( Portugal, 13’30”)
Quando Fecho Os Olhos Vejo Tudo. Um passeio de domingo em uma floresta se transforma em uma jornada poética sobre percepção.
Sumidouro / Nada Continua - Gabraz Sanna e Diana Sandes (Brasil, 6'26")
Para onde tudo escoa / Uma mulher ergue monumentos em um campo de mineração.
Duplo Prismático- Rafael Parrode e Vicente Parrode (Brasil, 10’)
Eu ensinei Vicente a utilizar a câmera. Ele me ensinou a ver o mundo.
Plume - Mike Rollo (Canadá, 7’20”)
Dedos catam provas caídas de voo; colocadas e traçadas para criar a luz aviária.
Film Tattoo - Carin Cline (EUA, 3’15”)
Um filme de rolo de câmera botânico feito à mão durante a quarentena: uma película de 16mm com emulsão preta, do tamanho do canteiro do meu jardim, foi borrifada com água e arranhada entre duas pedras do jardim. Os quadros arranhados foram então preenchidos com plantas do meu quintal e re-fotografados em uma impressora ótica usando filme 50D a uma taxa de 3 quadros para 1. Eu compartilhei a transferência digital com o baixista e compositor Alexis Cuadrado, que usou uma metodologia estruturalista baseada em nomes de plantas e cores para criar a trilha sonora.